23 de dezembro de 2024
Validade da aquisição hostil da sociedade em recuperação judicial
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Por Rodrigo Quadrante

1. A questão central deste artigo consiste em definir se o plano alternativo dos credores da empresa em recuperação judicial poderia suprimir os direitos societários dos seus sócios, o que permitiria, em tese, a aquisição hostil da sociedade devedora pelos seus credores.

2. Antes de enfrentá-la, cumpre estabelecer a seguinte premissa: embora a Lei nº 11.101/2005, bem como as alterações trazidas pela Lei nº14.112/2020, tenham modernizado o direito falimentar brasileiro, estas normas deixaram de harmonizar de forma adequada as regras concursais às regras societárias, o que poderá permitir a aquisição hostil da sociedade em recuperação judicial.

3. Não se olvida que o legislador exigiu a prévia deliberação assemblear dos sócios para o ingresso com o processo de recuperação judicial [1]. Contudo, essa autorização é imprescindível, tão somente, para se deflagrar o processo concursal, de modo que neste os sócios não figuram como parte, mesmo que os seus direitos sejam atingidos pelas medidas de reorganização previstas por um plano de recuperação [2].

4. Como se sabe, o dever primário de apresentação do plano de recuperação judicial é do devedor. No entanto, o inciso 4º do artigo 56 da Lei 11.101/2005 [3] inaugurou a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores quando o plano apresentado pela devedora tenha sido rejeitado, ou, quando, transcorrido o período de suspensão das execuções contra a devedora, não houver deliberação quanto à aprovação do plano apresentado por ela [4].

5. A questão ora analisada nasce quando o plano de recuperação apresentado pelos credores autorizar a conversão da dívida da sociedade em capital social, nos termos do inciso XVII do artigo 50 da Lei 11.101/2005. Com efeito, esta capitalização da dívida da sociedade devedora poderá motivar a alteração do seu controle societário, sendo tal medida autorizada pelo inciso 7º do artigo 56 da Lei 11.101/2005 [5].

6. Cumpre notar que o inciso II do artigo 50 da Lei 11.101/2005 resguarda o direito dos sócios da devedora, caso o seu plano de recuperação judicial promova a sua cisão, incorporação ou fusão, sendo tal dever expresso no referido artigo [6]. Contudo, o silêncio do inciso 7º do artigo 56 da Lei 11.101/2005, quanto ao dever do plano alternativo dos credores resguardar o direito dos sócios da devedora, nos leva a conclusão de que se permitiu a aquisição hostil da sociedade devedora à revelia dos seus sócios, nos termos do plano alternativo apresentado pelos seus credores.

7. Nem se fale, por sua vez, que a permissão do exercício do direito de retirada dada ao sócio da empresa devedora, a qual foi lançada ao final do inciso 7º do artigo 56 da Lei 11.101/2005, teria lhe garantido as suas prerrogativas societárias, eis que este poderá exercê-lo, mas não será ouvido quanto a sua diluição, tampouco poderá se opor à execução do plano alternativo aprovado pelos credores da sociedade devedora.

8. A possibilidade da conversão da dívida no capital social da devedora à revelia dos seus sócios, através da aprovação de plano alternativo de credores, é tema novo, o qual, certamente, será devidamente tratado perante o Poder Judiciário.

9. No entanto, não são novas as disputas societárias enfrentadas nos processos de recuperação judicial, pois é comum o conflito de interesses entre os sócios controladores, os sócios minoritários e os credores da devedora. Com efeito, o aumento do capital social da sociedade devedora, através do aporte de capital pelo sócio majoritário nos termos do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, foi tratado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do agravo de instrumento número 2257715-26.2016.8.26.000, o qual teve como relator o desembargador Alexandre Marcondes, tendo se afastado a oposição ao aumento do capital social apresentada pelo sócio minoritário que seria diluído [7].

10. Ademais, a oposição do sócio minoritário ao cumprimento de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores também já foi tratada pelo Superior Tribunal de Justiça, através do Recurso Especial nº 1.539.445/SP, o qual teve como relator o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, tendo se entendido que o sócio minoritário não poderia se opor a execução do plano de recuperação judicial se utilizando das suas prerrogativas societárias [8].

11. O que se percebe pelas inúmeras decisões proferidas pelo Poder Judiciário é que o Princípio da Preservação da Empresa, nos termos do artigo 47 da Lei 11.101/2005, rege as decisões quando há conflito entre o Direito Falimentar e o Direito Societário, o que nos leva a conclusão de que a preservação da empresa pesará nas futuras decisões proferidas pelo Poder Judiciário quando houver este tipo de conflito.

12. Por todo exposto, conclui-se que a Lei nº 11.101/2005, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.112/2020, inaugurou a possibilidade da aquisição hostil da sociedade devedora pelos seus credores, pois se permitiu que os credores convertam seus créditos em capital e adquiram o controle da sociedade devedora, nos termos de plano recuperação judicial alternativo, sem a devida oitiva dos sócios da devedora.

13. Contudo, ainda não há um posicionamento pacífico do Poder Judiciário sobre o tema, sabendo-se apenas que as decisões do Judiciário tendem a preservar a manutenção da empresa como fonte geradora de riqueza e de empregos, o que, dependendo do caso concreto, se permitirá a aquisição hostil da sociedade devedora, caso seja clara a sua preservação.


[1] artigos 1.071, inciso VIII, e 1.076, inciso II, do Código Civil; e artigo 122, inciso IX, da Lei das Sociedades Anônimas.

[2] No direito brasileiro, são partes do processo de recuperação o devedor – individual ou coletivo – e os credores.

[3] Inciso 4º do artigo 56 da Lei 11.101 – Rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores.

[4] Inciso 4º A do artigo 6º da Lei 11.101/2005 – O decurso do prazo previsto no inciso 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo.

[5] Inciso 7º do artigo 56 da Lei 11.101/2005 – O plano de recuperação judicial apresentado pelos credores poderá prever a capitalização dos créditos, inclusive com a consequente alteração do controle da sociedade devedora, permitido o exercício do direito de retirada pelo sócio do devedor.

[6] Inciso II do artigo 50 da Lei 11.101/2005 – Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – cisão, incorporação, fusão, transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou, cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente.

[7] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de instrumento número 2257715-26.2016.8.26.0000 – Recuperação Judicial. Sociedade Anônima. Previsão de aumento de capital social no plano de recuperação judicial. Alegação de risco de diluição da participação acionária da agravante, acionista minoritária. Agravo de instrumento interposto contra decisão que dispensou o voto afirmativo da agravante, que em diversas oportunidades obstaculizou o cumprimento do plano de recuperação. A previsão de majoração do capital social, com aporte de recursos, é caminho que se mostrou adequado á situação atual da companhia, como foi bem justificado pelos administradores em AGE. Nestas condições, não se vê indicativo de abusividade na decisão da acionista majoritária que se dispôs a aplicar recursos na companhia.”

[8] STJ, 3ª Turma, Recurso Especial nº 1.539.445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13/03/2018, DJe 23/03/2018.