Se no Brasil experimenta-se transição na matriz energética, será questão de tempo para que este movimento seja também iniciado – senão, ultrapassado – pelos países vizinhos
Por Alexandre Paranhos
A integração dos sistemas energéticos na América Latina, particularmente na geração e transmissão de energia elétrica, é uma oportunidade crucial para o desenvolvimento sustentável e a segurança energética da região. Talvez não haja momento tão propício como o que estamos vivenciando na história latino-americana para tanto, com a melhora dos índices de desenvolvimento social (ainda que distantes dos ideais), estabilidade política, consolidação democrática e a ampla conscientização global sobre a necessidade de proteção ao meio ambiente com o desenvolvimento sustentável. No entanto, a falta de investimentos e coordenação entre os governos latino-americanos impede a concretização deste potencial.
Daí porque a ideia de se fomentar a discussão sobre os benefícios e desafios da transnacionalidade dos sistemas energéticos na América Latina, com foco no cenário atual e perspectivas futuras.
Se no Brasil experimenta-se transição na matriz energética, será questão de tempo para que este movimento seja também iniciado – senão, ultrapassado – pelos países vizinhos.
Os principais obstáculos para a integração energética na América Latina incluem da falta de discussão ampla entre os principais atores (países e setor privado) a respeito dos potenciais e entraves de cada um, à falta de infraestrutura de transmissão transnacional robusta. Exemplo claro do que se expõe é a possibilidade de a experiência brasileira em relação à energia hidrelétrica poder beneficiar em muito os países andinos, especialmente sobre os projetos “A-5” que o Governo Federal Brasileiro implementou nos anos 2000 e que hoje são cruciais para o contínuo desenvolvimento energético brasileiro. Isso sem mencionar Itaipu, seu caráter binacional e o sucesso da parceria desenvolvida entre o Brasil e o Paraguai, a despeito das respectivas diferenças.
Nesse contexto, a construção de linhas de transmissão que cruzam fronteiras requer investimentos significativos e eficaz coordenação entre os países envolvidos. O desalinhamento político e regulatório não pode se apresentar como grande entrave, sob pena de servir como desincentivo à integração energética. Justamente por essas razões que a ampla variação das políticas energéticas e respectivos regulamentos clamam pela harmonização necessária ao desenvolvimento de uma rede integrada.
Outro desafio significativo é a obtenção de financiamento para grandes projetos de integração, especialmente em economias emergentes com recursos financeiros limitados. Sem se estabelecer premissas factíveis, com políticas claras e compromissos transnacionais, não haverá incentivo ao financiamento em valores condizentes às características latino-americanas. E nisso também se inclui o desenvolvimento de um mecanismo adequado de solução de controvérsias justamente a amparar todos os lados envolvidos, posto o investidor depender de respaldo tanto institucional, por exemplo, com Judiciário adequadamente estruturado) como jurídico, com direitos e deveres legais e regulamentares claros.
A soberania energética é outro fator que complica a situação. Algumas nações podem ser reticentes em ceder parte de seu controle sobre os recursos energéticos a uma rede regional, temendo pela sua soberania energética, mas nos deparamos com exemplos globais que podem servir de modelo para a América Latina. Um desses casos é o da União Europeia, que avançou significativamente na integração de seus sistemas energéticos, criando um mercado único de eletricidade que melhorou a eficiência e a segurança energética na região, mesmo no contexto da Guerra Rússia-Ucrânia e todas as dificuldades atreladas a esse longo conflito.
Para superar os desafios e avançar na integração energética, os países latino
-americanos poderiam criar fóruns para identificar oportunidades conjuntas e desenvolver acordos bilaterais e multilaterais. Firmar parcerias para desenvolver projetos de infraestrutura propriamente ditos e harmonizar regulamentos são passos essenciais. Além disso, pensar em infraestrutura transnacional é crucial até mesmo para que seja possível superar obstáculos geográficos com menor dispêndio de recursos. Atrair investimentos privados e utilizar fundos internacionais para construir linhas de transmissão transnacionais é necessário para viabilizar o processo de integração.
Ao final e ao cabo, fomentar a cooperação regional é a única saída para se alcançar o desenvolvimento energético sustentável da região, até mesmo para se viabilizar a descarbonificação das matrizes (energéticas).
Por isso entendemos que estar diante de oportunidade única para se discutir e buscar a transnacionalidade dos sistemas energéticos na (e da) América Latina. Tanto para incremento da segurança energética, como para redução de custos e promoção o uso de fontes renováveis e descarbonificadas. Parece ser este o momento para o esforço concentrado entre os governos da região para superar os desafios e viabilizar o ambiente propício para a integração energética.
Publicado no Canal Energia.