20 de novembro de 2024
Transição energética no Brasil ainda enfrenta desafios
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Por Thainá Cervi

País alcançou a 12ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), posicionando-se na liderança entre os países emergentes e em terceiro lugar entre as nações integrantes do G20

A transição energética no Brasil está progredindo, grande parte deve-se á matriz elétrica proveniente com cerca de 90% de fontes renováveis. Diante deste cenário, o país possui uma posição privilegiada e a capacidade de se estabelecer como um líder mundial. Um estudo do Fórum Econômico Mundial indica que o Brasil está entre as nações que mais progride na execução de medidas para o Índice de Transição Energética. O relatório indica que o país alcançou a 12ª posição, posicionando-se na liderança entre os países emergentes e em terceiro lugar entre as nações integrantes do G20.

Com isso, a agenda de transição energética do governo federal brasileiro não apenas responde à urgência imposta pela crise climática global, mas também representa uma oportunidade histórica para o desenvolvimento sustentável do país. E ele colocou essa pauta como a principal bandeira da atual gestão. Desde o plano da transição ecológica, ele está trabalhando em diversas frentes que indicam a relevância desse assunto, como o programa Combustível do Futuro e o Nova Indústria Brasil, com esforços para garantir que a renovabilidade da matriz energética brasileira sirva de base para uma neoindustrialização verde, de modo a atrair novos investimentos produtivos para o país e possibilitar que a nossa produção atenda a demanda global crescente por produtos descarbonizados.

Contudo, o especialista em transição energética do Instituto E+, Edlayan Passos , destaca que é preocupante o interesse na ampliação dos investimentos na exploração e produção de petróleo e gás natural, que podem prejudicar justamente a qualidade das matrizes energética e elétrica. “Entendemos que os investimentos na infraestrutura relativa às fontes fósseis devam continuar sendo utilizados, uma vez que foram pagos pela sociedade brasileira. Não podemos, no entanto, expandir esses gastos, sob risco de comprometermos nosso grande trunfo de que o Brasil seja um dos únicos países em que a transição energética pode ser sinônimo de desenvolvimento socioeconômico”, disse.

De acordo com o novo PAC, até abril de 2024 foram concluídos 106 empreendimentos de geração de energia renovável (3.919 MW). Outros 143 encontram-se em obras e contribuirão para a expansão do Sistema Interligado Nacional (SIN) em mais 8.300 MW de capacidade. O programa abraça ainda a ampliação da capacidade de transmissão da energia. No período, foram concluídos 941 km em novas linhas e outros 50 empreendimentos encontram-se em obras, o que possibilitará a expansão da rede em mais de 7.000 km até 2026. Três grandes leilões de transmissão foram realizados desde o início de 2023, o que possibilitará investimentos adicionais de R$ 55,8 bilhões e mais 14.800 km de ampliação da rede até 2031.

Só no setor de óleo e gás já foram investidos R$ 47 bilhões. No início de 2024, o destaque foi a perfuração de dois novos poços exploratórios que resultaram em duas novas descobertas em avaliação de comercialidade. Além disso, outra plataforma de produção, já a caminho do Brasil, deverá somar mais 180 mil barris/dia de petróleo e 12 milhões de m³/dia de gás natural à produção nacional. Avançou-se ainda no Rota 3, um projeto estruturante que adicionará 21 milhões de m³/dia de gás no mercado. Para a retomada da indústria brasileira, foram aplicados R$ 210 milhões em estudos de mercado.

O especialista ainda destacou que é preciso ter cuidado com alguns ativos, pois se o mundo está indo em direção ao NetZero, em algum momento o consumo de fósseis vai diminuir. Ele afirmou ao CanalEnergia que isso significa que, no caso de qualquer investimento realizado, decidido ou outros compromissos assumidos em fósseis, é perigoso que os ativos não tenham tempo de amortização e representem um desperdício, além de serem um ‘lock-in’ tecnológico para investimentos em alternativas.

Pauta verde no Congresso

Atualmente existe um engajamento notável do Congresso com a agenda da transição para economia de baixo carbono. Nesse contexto, podemos citar o marco regulatório do hidrogênio de baixo carbono, a proposta do mercado regulado de carbono, o marco legal das eólicas offshore e o PL do Combustível do Futuro. Os especialistas ouvidos nesta matéria destacaram que é fundamental que esses temas sejam debatidos de modo amplo com a sociedade, com a devida transparência, para evitar que o Brasil desperdice oportunidades nessas questões.

Um exemplo é que o Plano Nacional de Transição Energética (PATEN) que deverá ir à votação e ser aprovado ainda em outubro, ou no mais tardar em novembro, contempla um conjunto de políticas públicas em favor da descarbonização da economia brasileira, conciliando esse processo com o atendimento aos compromissos do Acordo de Paris. Para o Instituto E+, trata-se de uma agenda fundamental para o país avançar em termos de desenvolvimento socioeconômico, tendo em vista, principalmente, o potencial de essa agenda nos garantir uma condição de fornecedores dos produtos descarbonizados dos quais o mundo precisa e está cada vez mais disposto a comprar.

Segundo a diretora executiva do Instituto E+, Rosana Santos, nesse contexto, vale observar que o Brasil talvez seja o único país a conseguir descarbonizar a economia e usar isso como alavanca de desenvolvimento e de criação de valor para a sociedade. “Mais, fazendo isso, o país também é fundamental para contribuir na descarbonização global, visto que muitos outros países são intrinsicamente insustentáveis por falta de recursos naturais, terras, água, área disponível e etc”, ressaltou.

A executiva também afirmou que marcos regulatórios são fundamentais para organizar o mercado e diminuir os riscos de investimentos, ainda que, como processos dinâmicos, frequentemente necessitem de atualizações.

Não diferente, a sócia da área de direito público e energia no Leite, Tosto e Barros Advogados, Thainá Cervi, destacou que a transição energética tem se tornado uma pauta cada vez mais relevante, tanto no Brasil quanto no mundo, devido à urgente necessidade de mitigar as mudanças climáticas. “Com o crescente interesse global por energias limpas, o país pode se posicionar como um grande exportador de produtos energéticos renováveis, como o hidrogênio verde, e de tecnologias sustentáveis. Entretanto, embora já existam diversos projetos em andamento, como o programa RenovaBio, os incentivos à geração distribuída de energia solar e eólica, e os hubs de produção e exportação de hidrogênio verde, ainda há a necessidade de fortalecer os marcos regulatórios. Isso é crucial para aumentar a confiabilidade, tanto no mercado interno quanto no internacional, assegurando o cumprimento das metas climáticas de forma sustentável”, disse.

O que pode melhorar?

Segundo Rosana Santos, o hidrogênio de baixas emissões tem um papel fundamental para a transição energética, tendo em vista seu potencial de substituir combustíveis fósseis em processos que dificilmente podem ser eletrificados, como a indústria pesada. “Mas o Brasil não pode perder de vista o fato de que possui outras rotas de descarbonização, com base no carbono biogênico. Essas rotas incluem a expansão da produção e uso de energéticos limpos como o biogás, biometano, etanol, biodiesel e carvão vegetal sustentável, além do desenvolvimento tecnológico e de mercado de SAF”, pontuou.

Ela ainda destacou que além dos investimentos e formação do mercado, o desafio é garantir que essas rotas de descarbonização sejam certificadas e aceitas no resto do mundo, hoje concentrado principalmente na eletrificação e no H2, para que os nossos produtos possam realmente ser considerados “verdes” lá fora.

Já para a sênior fellow do CEBRI, Rafaela Guedes, se o governo for bem-sucedido em garantir o devido arcabouço legal, segurança jurídica e um ambiente de negócios amistoso, o país terá condições de voltar a se industrializar em bases sustentáveis. Isso promoverá desenvolvimento e crescimento econômico. “O mundo precisa de energia limpa. Mas, não podemos esquecer que para realização da transição também será necessário acesso a minerais para a transição, bem como, o quanto muitas dessas fontes de energia limpa demandam de água. E o Brasil tem energia limpa, recursos minerais em abundância e recursos hídricos. Assim, tem condições de, não somente, produzir fontes energéticas para consumo interno, mas também para garantir cadeias produtivas de baixa emissão. Por exemplo, na produção de aço de baixo carbono, cimento de baixo carbono, produção de baterias, produção de fertilizantes verdes e por aí vai”, explicou.

Dentre os pontos que precisam melhorar, Rafaela pontuou que todos aguardam para ver o que será anunciado quando da divulgação pelo MMA do Plano Clima. Segundo a executiva, espera-se que na COP29 o MMA divulgue as novas NDC brasileiras. “O que pouco se fala é que a atual NDC brasileira já é extremamente desafiadora uma vez que prevê neutralidade das emissões de GEE em 2050 o que significaria que, no caso brasileiro, o país fosse neutro em emissões de carbono por volta de 2040. Também seria necessário a eliminação do desmatamento ilegal até 2028”, disse.

Ainda de acordo com a especialista do CEBRI, o desafio brasileiro é gigantesco uma vez que 2/3 das nossas emissões vem do mal uso da terra e do desmatamento. “Havia a expectativa de que o mercado de carbono pudesse trazer alguma coerção sob o uso da terra, mas o setor agrário ficou de fora. Por outro lado, se a regulação for muito restritiva com o setor industrial brasileiro impactará fortemente a competitividade do país”, disse.

Avanço com a nova política nacional aprovada pelo CNPE

Segundo Rafaela, a nova política nacional de energia avançou em muitos aspectos. Ela destacou o incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias e setores dado que a política promove o crescimento de tecnologias como o combustível sustentável de aviação, a captura e estocagem de carbono (CCS), além de incentivar a produção de hidrogênio verde e biocombustíveis.

Outro destaque dado à inclusão social e combate às desigualdades, de acordo com Rafaela, um dos focos centrais da PNTE é garantir uma transição justa e inclusiva, combatendo a pobreza energética e promovendo o acesso democrático à energia.

Ela também afirmou que o fortalecimento da relevância de um bom planejamento, onde foram criados novos instrumentos de governança como o Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte), um espaço consultivo que reunirá governo, sociedade civil e setor produtivo para monitorar e aprimorar a política e o Plano Nacional de Transição Energética, que definirá ações setoriais e transversais para a implementação das diretrizes. “Nesse item o CEBRI teve fortemente envolvido uma vez que lideramos em parceria com EPE, Coppe e BID o programa de Transição Energético responsável pela elaboração de cenários de transição energética que levassem o Brasil a atingir a neutralidade de suas emissões em 2050”, disse.

Por outro lado, ela afirmou que a nova política retrocede ao realizar ajustes nos desinvestimentos da Petrobras. “Em particular, o CNPE alterou diretrizes anteriores que incentivavam a venda de ativos da Petrobras, especialmente no setor de refino. Com a nova política, é revertido o plano de desinvestimento que estava em vigor desde 2017. Na minha visão ter mais empresas atuando no setor de refino brasileiro traria mais dinamismo e competição ao mercado”, explicou.

Já a sócia do núcleo de energia do escritório Simões Pires, Roberta Aronne, acredita que a nova política nacional aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) está caminhando na direção correta, porém alertou que é necessário tomar cuidado com a questão dos subsídios e com a distorção que eles podem trazer para outros setores da economia. “No setor elétrico, por exemplo, a gente tem um custo de energia baixo, porém é uma das maiores tarifas do mundo por conta dos subsídios que acabam sendo embutidos no custo repassado para o consumidor final. O plano tem diversas diretrizes que vai envolver não só entidades do governo, mas entidades acadêmicas e a sociedade civil. O governo tem tentado estabelecer o diálogo”, disse.

Ela também destacou que o marco legal do hidrogênio e a sanção do presidente ao projeto de lei do combustível do futuro são marcos importantes para setor. “A questão do hidrogênio tem sido apontada como um dos vetores da dessa pauta de transição energética, porém não é a única. A gente não tem uma única bala de prata que vai resolver toda a questão, mas o hidrogênio com certeza é uma das alternativas e então esse foi um marco bem relevante. E a sanção ao projeto de lei do combustível do futuro é importante porque a gente sabe que o setor de transportes é um dos principais emissores de gases de efeito estufa e essa pauta precisa de fato ser tratada como prioritária”, destacou.

COP30

O Brasil deve aproveitar a COP30 para se mostrar como uma vitrine de transição para uma economia verde, e a transição energética é uma importante comprovação disso. Para a diretora executiva do Instituto E+, os desafios para tanto incluem acentuar a cooperação entre os países do Sul Global em torno de um consenso pela reorganização das cadeias produtivas, de modo que haja uma maior racionalização em favor da produção mais próxima de locais em que estão os melhores e mais eficientes recursos renováveis, minérios estruturantes e críticos de alta qualidade, entre outros pontos.

Além disso, ela destacou a importância de garantir a aceitação internacional (por meio de certificação) das rotas de descarbonização com base em carbono biogênico e repensar os planos de abertura de novas áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. “No setor elétrico, precisamos garantir que o aumento da oferta de capacidade na forma de potência se dê com fontes limpas de energia, como baterias e, principalmente, mecanismo de resposta pelo lado da demanda”, explicou.

Já para Rafaela Guedes, do CEBRI, um ponto crucial para completar a pauta verde é uma política de minerais para a transição. Segundo ela, para realizar a transição energética o mundo precisa desses materiais e o Brasil pode ser um país expoente na cadeia de valor dos minérios. “Só que para isso é necessário dar o primeiro passo e já está mais do que na hora de criarmos um arcabouço regulatório e os incentivos e fomentos necessários para o desenvolvimento sustentável desse setor, que traria muita prosperidade e desenvolvimento econômico para o país”, finalizou.

Publicado originalmente no Canal Energia.