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25 de julho de 2024
Quando aplicar o novo prazo prescricional em matéria tributária?
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Por: Sérgio Grama e Bruno Romano

O inciso II do artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN) previa que apenas o protesto judicial seria hábil a interromper a prescrição. Contudo, o artigo 2º da Lei Complementar (LC) 208/2024 alterou a redação do inciso II do artigo 174 do CTN para disciplinar que “[a] prescrição se interrompe pelo protesto judicial ou extrajudicial”.

Com isso, como visto no artigo publicado em 7 de julho de 2024, por meio do protesto extrajudicial, o prazo prescricional poderá ser aumentado em mais dois anos e meio. Ou seja, de cinco anos até o protesto e, após a intimação do sujeito passivo, de mais dois anos e meio para que haja o ajuizamento da execução fiscal e a citação válida do contribuinte no feito executivo.

Contudo, surgiu o questionamento se esse prazo prescricional alargado seria aplicável de imediato, ou se há algum marco temporal que deve ser respeitado. E é essa a dúvida que se pretende sanar.

Vale dizer, inicialmente, que o artigo 4º da LC 208/2024 disciplina que “[e]sta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação”, o que daria uma falsa sensação de que esse marco interruptivo do prazo prescricional seria aplicável de imediato, o que atingiria todo e qualquer crédito tributário que ainda seja passível de ser ajuizado.

Ocorre que tal entendimento acaba por não ser logicamente compreensível, pois os contribuintes que porventura estejam na expectativa de ver débitos tributários serem extintos pela prescrição, e que sabem que o prazo está próximo de se encerrar, terão a angustiante surpresa de ter de aguardar mais dois anos e meio, com a mudança de uma regra “no meio do jogo”.

Justamente por essa razão que o novo marco interruptivo deve ser aplicado em respeito ao princípio da segurança jurídica, insculpido no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição, para que os contribuintes não sejam surpreendidos por uma nova regra que inexistia quando a autoridade fiscal passou a lhes exigir o cumprimento de determinada obrigação tributária.

Por conta disso, a lei não pode retroagir a fatos pretéritos a sua publicação, visto a necessidade de se respeitar “o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, conforme inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição, bem como o artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 — Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).

Princípio da não surpresa

Nisso, surge um novo questionamento:

Não se pode modificar o prazo prescricional que já se iniciou, pois isso violará o Princípio da não surpresa (decorrente da segurança jurídica), desrespeitando a norma constitucional e o artigo da Lindb acima citados.

Contudo, as cobranças relativas a fatos geradores pretéritos (já formalizadas/lançadas, mas cujo prazo prescricional ainda não tenha iniciado, ou que ainda não foram exigidas por auto de infração / lançamento) podem se sujeitar às novas regras afeitas à contagem do prazo prescricional alargado por força da interrupção via protesto extrajudicial?

Poder-se-ia dizer, em uma análise preliminar, que a resposta seria positiva, visto que o princípio da irretroatividade tributária, insculpido na alínea “a” do inciso III do artigo 150 da Carta Magna, seria aplicável apenas como forma de disciplinar o que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”.

Esse raciocínio se daria em função da LC 208/2024 não estar instituindo ou majorando um tributo, mas, sim, celebrando um novo marco interruptivo do prazo prescricional. Contudo, esse não é o único diploma normativo a ser interpretado.

Aplicação

Nesse sentido, a resposta neste caso acaba por ser negativa. Explica-se.

Em primeiro lugar, o artigo 105 do CTN é bastante claro ao dispor que “[a] legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aquêles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos têrmos do artigo 116”, por conta disso, já se sabe que o “novo” inciso II do parágrafo único do artigo 174 do CTN é aplicável aos fatos geradores posteriores à vigência da norma.

Todavia, em segundo lugar, o artigo 106 do CTN, por seu turno, disciplina que a lei tributária só se aplica a ato ou fato pretérito (1) se a norma for interpretativa (o que não é o caso da LC 208/2024, que trouxe nova hipótese de interrupção da prescrição), (2) se esse ato ou fato não estiver definitivamente julgado, e (2.a) quando a lei deixar de o definir como infração, (2.b) quando a lei deixar de o tratar como contrário a qualquer exigência de obrigação (omissiva ou comissiva) acessória, ou (2.c) quando a lei cominar penalidade menos severa que a originalmente prevista.

Ou seja, nenhum dos casos se enquadra para norma que trate de prescrição.

Assim, se o artigo 105 do CTN dispõe que a norma se aplica a fatos geradores futuros, e se a LC 208/2024 não se aplica às hipóteses que permitem a aplicação da norma a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei, então, respondendo ao questionamento formulado, as cobranças relacionadas a fatos geradores pretéritos (constituídas ou não, inscritas em dívida ativa ou não, cujo prazo prescricional tenha ou não se iniciado) não estão sujeitas à interrupção do prazo prescricional com base no protesto extrajudicial.

Deste modo, conclui-se que o “novo” inciso II do parágrafo único do artigo 174 do CTN é aplicável apenas aos fatos geradores que ocorrerem após 3 de julho de 2024 (data da publicação da LC 208/2024).

Publicado originalmente no Conjur.