Assinou um contrato que não previa valor da correção a ser paga em caso de inadimplência? Seus problemas (na teoria) acabaram. Agora a Selic e o IPCA vão definir este número para você
Em mais um passo na tentativa de baratear o crédito e destravar o acesso ao dinheiro para estimular a economia, o presidente Lula sancionou a Lei 14.905, que altera artigos do Código Civil para padronizar a aplicação da correção monetária e dos juros nos casos em que não estiverem previstos na legislação ou em contratos. As novas regras, que entram em vigor em setembro, também serão aplicadas nos casos de atrasos de pagamento do condomínio, e na indenização devida ao segurado no caso de sinistro. Bem vista pelo mercado, a determinação ajuda a desafogar o Judiciário para revisões de juros e aumenta a segurança jurídica brasileira. No entanto, ainda há dúvidas sobre sua execução.
Para o professor de finanças da Fipecafi Rogério Paulucci Mauad, o ponto mais importante da unificação foi encerrar o entendimento regional. “São 27 tribunais estaduais e cada um adota sua própria regra, por isso a padronização é tão positiva”, disse. Pelas novas regras, quando não há especificação da atualização monetária, será aplicada a variação da inflação oficial do País, no caso o IPCA. O valor dos juros serão fixados de acordo com a taxa legal, correspondente à taxa Selic, menos a atualização monetária. Também ficou definido que, se a subtração der resultado negativo, o juro será zero. Até agora, a determinação prevista pelo Código Civil, não especificava qual seria o índice de correção aplicável nesses casos. Segundo o relator
do projeto na Câmara, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a iniciativa vai oferecer mais segurança jurídica para as duas partes. “Esperamos uma redução de casos judicializados após a nova Lei”, afirmou.
A Lei 14.905/24 também flexibiliza o Decreto 22.626, de 1933, conhecido como Lei de Usura. O decreto proíbe a cobrança de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal e a cobrança de juros compostos ( juros sobre juros). Com a mudança, a Lei de Usura não será aplicada a algumas situações específicas, como nas operações contratadas entre pessoas jurídicas. Isso, segundo Paulo, visa facilitar o empréstimo entre empresas fora do sistema financeiro, já que ela já não é aplicada dentro dele.
APROVAÇÃO A celeridade da aprovação no Legislativo, em menos de dois meses, não foi sem motivo. Para o advogado Daniel Albolea Júnior, do Leite, Tosto e Barros Advogados, a Lei foi desenhada para aprovação antes do julgamento sobre o tema em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa celeridade, inclusive, talvez tenha deixado algumas pontas soltas. Uma delas, diz o advogado, é o questionamento sobre o uso da Selic, “já que usar a taxa básica não é algo muito comum, e às vezes nem apropriado, para empresas fora do setor financeiro”. Para Luiz Friggi, sócio da área Cível e de Resolução de Conflitos do Simões Pires Advogados, outro foco de atenção é a Lei da Usura. O novo entendimento determina que não se aplica às obrigações entre pessoas jurídicas ou títulos de crédito e valores mobiliários, permitindo juros contratuais superiores a 12% ao ano, antes restritos ao Sistema Financeiro Nacional. “Isso pode abrir espaço para discussões sobre cálculos pretéritos e novas interpretações jurídicas”, conclui Friggi.
Do ponto de vista do credor, o especialista em contencioso do Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW), Armin Lohbauer, afirma que a nova regra determinou o uso de um cálculo que pode reduzir a penalidade ao devedor. “A Selic hoje tem valores mais baixos do que a taxa de 1% ao mês que era aplicada em muitos casos de atraso no pagamento. É possível afirmar, coloquialmente, que ficou mais barato para os devedores e pior para os credores”. Se isso se comprovar, o objetivo de Lula de liberar o crédito para estimular a economia, talvez funcione.