20 de novembro de 2024
Exclusão do Fundo de Pobreza das bases de cálculo do PIS e da Cofins
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Por Sérgio Grama Lima e Bruno Romano para o Estadão

O Supremo Tribunal Federal, em 15 de março de 2017, julgou o Recurso Extraordinário nº 574.706/PR (Tema nº 69) e, naquela oportunidade, compreendeu que o Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes e de Comunicações (“ICMS”) não deveria compor as bases de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), visto que, no posicionamento da Suprema Corte, os tributos que são repassados no preço não compõem o conceito constitucional de receita bruta.

Ocorre que o ICMS não é o único tributo que é incluído na receita bruta e que, consequentemente, é oferecido à tributação do PIS e da COFINS. Outro exemplo que pode ser destacado é o Adicional do ICMS destinado ao Fundo de Combate à Pobreza (“FCP”, “FECP”, “FCOP” ou “FECOP” – sigla que é alterada a depender do Estado da Federação).

O FECOP foi criado por meio do artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (“ADCT”), que disciplinou que “[o]s Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza”, de modo que, “[p]ara o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços” (destacado).

Embora o FECOP seja um adicional do ICMS (de até 2%), o que permitiria concluir, de plano, a sua não inclusão nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, pois se o ICMS não compõe o conceito constitucional de receita bruta, o adicional também deve o compor, não é o que compreende a Receita Federal do Brasil (“RFB”), visto que, por meio da Solução de Consulta COSIT (“SC COSIT”) nº 61/2024, foi proferido o entendimento de que “o valor referente ao adicional de alíquota do ICMS destinado aos Fundos Estaduais de Combate à Pobreza não deve ser excluído das bases de cálculo da incidência das contribuições [PIS e COFINS], visto ostentar natureza jurídica que não se confunde com a do ICMS propriamente dito”.

O Fisco Federal, em síntese, argumenta, no decorrer da aludida Solução de Consulta, que o adicional do ICMS tem natureza jurídica distinta do ICMS em si, pois (i) sua receita é vinculada ao combate à pobreza, (ii) o FECOP tem efeito “cascata” e é cumulativo, e (iii) sua receita não é sujeita à repartição com os Municípios. Todavia, esses argumentos não podem prosperar.

Mesma Natureza Jurídica

Como visto, o artigo 82 do ADCT disciplinou sobre a outorga de competência, aos Estados e ao Distrito Federal, para a instituição do adicional de até 2% do ICMS para o financiamento do Fundo de Combate à Pobreza.

Por essa razão, o que se tem, na realidade, é que o FECOP é um tributo que nada mais é do que um adicional do ICMS, possuindo, deste modo, a mesma natureza jurídica do imposto estadual, diferenciando apenas o seu direcionamento financeiro, pois o adicional deve ser alocado a uma rubrica (ou a uma dotação orçamentária) específica (ao Fundo de Combate à Pobreza).

De igual modo, pode-se utilizar, exemplificativamente, o adicional de 10% do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), que tem a mesma natureza jurídica do próprio IRPJ.De igual modo, o adicional de 1% da COFINS-Importação também tem a natureza jurídica de contribuição. Ora, o adicional de um tributo tem a mesma orientação jurídica do seu tributo-base e isso não difere quando se analisa o ICMS e o FECOP.

Isso é reforçado pelo fato de que o FECOP deve ser instituído, tal como determina o § 1º do artigo 82 do ADCT, “nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição”, de modo que o adicional de ICMS, deve ser regido pela Lei Complementar que regulamenta o tributo estadual.

Nesse sentido, inclusive, tem-se o Estado do Rio de Janeiro que parece ser o Ente Federativo que mais bem buscou definir a natureza jurídica do FECOP. Explica-se.

Em primeiro lugar, disciplinou-se, por meio da Lei Complementar nº 210/2023, que o Adicional do ICMS incide, via de regra, sobre as operações que são oferecidas à tributação do próprio imposto, constando no inciso I de seu artigo 2º, que “o produto da arrecadação adicional de dois pontos percentuais correspondentes a um adicional geral da alíquota atualmente vigente do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ou do imposto que vier a substituído”.

Em segundo lugar, porque o Conselho de Contribuintes daquele Estado já se manifestou reiteradamente que “[o] adicional de alíquota de ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP) possui a mesma natureza jurídica do ICMS” (Acórdão nº 4C-2021-18.752, julgado em 16.09.2021), razão pela qual “não há qualquer irregularidade na caracterização desse adicional como integrante do próprio ICMS, mas com destinação e arrecadação vinculada” (Acórdão nº 2C-2023-19.428, julgado em 04.07.2023).

Não resta razão, portanto, para se compreender que o FECOP teria natureza jurídica distinta do ICMS.Poder-se-ia argumentar, por amor ao debate, que o FECOP seria uma contribuição (não um imposto), visto, por um lado, a sua destinação específica e, por outro lado, que sua receita não é sujeita à repartição com os Municípios, o que diferenciaria o adicional do próprio ICMS já que os impostos não possuem especificidade em sua destinação, por força da vedação contida no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, e devem ter 25% de sua arrecadação destinada aos Municípios, por determinação da alínea “a” do inciso IV do artigo 158 da Carta Magna. Contudo, tais argumentos também não prosperam.

Isso porque, embora o citado dispositivo constitucional (inciso IV do artigo 167 da CF/88) vede que os impostos tenham destinação específica, outro diploma de natureza constitucional (artigo 82 do ADCT) disciplinou uma situação excepcional à regra proibitiva, em que o adicional do ICMS será destinado ao combate à pobreza, ou seja, a Constituição, por um lado, proíbe a destinação dos impostos, mas, por outro lado, traz uma situação especial em que um imposto (no caso, o seu adicional) será especificamente destinado.

Ademais, apesar de a Constituição (alínea “a” do inciso IV do artigo 158 da Carta Magna) disciplinar que a receita do Estado deva ser repartida com os Municípios, a CF (artigo 82 do ADCT) também trouxe uma excepcionalidade relativa à destinação para o combate à pobreza, permite, portanto, que a receita dos Estados não seja repartida com os Municípios.

Por tais motivos, não há razão para se concluir que o FECOP seria uma contribuição, cumprindo destacar, por outro lado, que tal medida excepcional prevista na Constituição (artigo 82 do ADCT) (i) respeita o objetivo fundamental da República de erradicação da pobreza (inciso III do artigo 3º, inciso X do artigo 23 e inciso VI do artigo 203 da Lei Maior), e (ii) está em conformidade com a ordem econômica nacional e a busca pela redução da desigualdade social (inciso VII do artigo 170 da Constituição).

Deste modo, outros dispositivos constitucionais permitem que, em situações excepcionais (que são disciplinadas pela própria Constituição), os impostos terão destinação específica e não terão sua receita repartida com Municípios, o que não modifica sua natureza jurídica, sendo notório, portanto, que o adicional de ICMS ao FECOP tem a mesma natureza do próprio imposto estadual.

Cumulatividade do FECOP

Adicionalmente, a RFB compreende que, pelo fato de o FECOP ser cumulativo, isso seria suficiente para que o referido adicional fosse incluído nas bases de cálculo do PIS e da COFINS. Contudo, tal entendimento não prospera, justamente porque o tributo cumulativo, incidente sobre o consumo, também tem seu custo repassado ao próximo membro da cadeia comercial.

Não é o princípio da não-cumulatividade que traz o pressuposto do repasse do impacto financeiro do tributo ao próximo membro da cadeia comercial. A não-cumulatividade disciplina apenas sobre a necessidade de que o contribuinte subsequente da relação comercial poderá aproveitar, como crédito, o valor do tributo que lhe foi repassado, o que não significa que somente nesse caso o custo do tributo seja repassado.

Muito pelo contrário. Em tributos indiretos cumulativos (como é o caso do PIS e da COFINS quando apurados de acordo com a sistemática da Lei nº 9.718/1998), o custo financeiro também é repassado ao próximo da cadeia, justamente por se tratar de tributação indireta (tributos sobre o consumo).

Por conta disso, o custo tributário continua sendo repassado ao comprador da mercadoria, momento em que o fornecedor receberá os valores a título transitório para os destinar ao Fisco Estadual, não se tratando de sua receita, não sendo cabível a tributação do FECOP pelo PIS e pela COFINS.

Poder-se-ia, além disso, argumentar que, em razão de o FECOP ser cumulativo, isso o tornaria distinto do ICMS, que é não-cumulativo (por força do inciso I do § 2º do artigo 155 da Constituição). Contudo, esse argumento não prospera, visto que, apesar da cumulatividade, o adicional do ICMS obedece a seletividade do inciso III do § 2º do artigo 155 da Constituição, visto que, tal como disposto no § 1º do artigo 82 do ADCT, a incidência do adicional se dará “sobre os produtos supérfluos”, de modo que sua incidência deve ser limitada, não representando um efeito cascata efetivo, já que não pode recair sobre todas as mercadorias e, em muitos casos, sequer poderia recair sobre toda a cadeia comercial.

Receitas de Terceiros Não Integram o Conceito de Receita Bruta

Por fim, independentemente da natureza jurídica do FECOP (se de imposto, se de contribuição), e independentemente da sistemática de incidência (cumulatividade ou não), isso não modifica o fato de que o referido adicional do ICMS não é receita/faturamento do contribuinte, mas, sim, do Estado que institui a cobrança.

Justamente por isso, o que se tem é que o custo tributário do FECOP é repassado ao comprador da mercadoria, momento em que o fornecedor receberá os valores a título transitório e destinará esse montante ao Fisco Estadual, não se tratando de sua receita, mas do Estado. Frise-se, inclusive, que a própria RFB acaba por concordar que o FECOP não é receita do contribuinte quando disciplina na SC COSIT nº 61/2024 que a receita do FECOP não é sujeita à repartição com os Municípios, ficando, integralmente, em poder do Estado arrecadador. Ora, se a receita é do Fisco Estadual, então se faz evidente que os valores não compõem o conceito de receita bruta do contribuinte, não sendo cabível, por esta razão, a tributação do adicional do ICMS pelo PIS e pela COFINS.

Conclusão

Por essa razão, não prospera o entendimento da RFB no sentido de que, pelo fato do FECOP ser cumulativo, isso bastaria para se defender a sua inclusão nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, sendo de rigor o reconhecimento da aplicação do Tema nº 69 do STF também ao adicional de ICMS.

Tanto é assim que, em 02 de agosto de 2024, o Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora/MG reconheceu “que o adicional FECP desfruta de natureza semelhante ao ICMS, de sorte que a empresa apenas o arrecada e repassa ao Estado, sem incrementar seu faturamento próprio”.

Por essa razão, a sentença reconheceu a não inclusão do FECOP nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, pois, “[d]o contrário, haveria um acréscimo artificial na receita da empresa, ampliando ilegitimamente as grandezas passíveis de tributação através do PIS/COFINS, a saber, ‘a receita ou o faturamento’, a teor do disposto no art. 195, I, ‘b’, da CF” (Mandado de Segurança nº 6005420-78.2024.4.06.3801/MG).

Esse também vem sendo o entendimento dos Tribunais Regionais Federais (“TRFs”), visto que o de 3ª Região (”TRF-3″) concluiu (i) pela “exclusão [do] ICMS e dos adicionais FECOP e DIFAL das bases de cálculo de PIS e COFINS, com direito de recuperação do indébito” (Apelação nº 5006535-65.2019.4.03.6112, de 05.03.2021), e (ii) que “os adicionais FECOP e o DIFAL, por possuírem a mesma natureza do imposto principal e integrarem o seu valor faturado, devem também ser excluídos da base de cálculo do PIS e da COFINS” (Agravo Interno na Apelação nº 5006535-65.2019.4.03.6112).

Assim sendo, ante a aplicabilidade do Tema nº 69 do STF ao adicional de ICMS do FECOP, tem-se que a referida cobrança não se enquadra no conceito de receita bruta, não devendo integrar as bases de cálculo do PIS e da COFINS, reduzindo-se a cobrança das contribuições em razão da diminuição de suas bases tributáveis, bem como permitindo a recuperação do que porventura tenha sido indevidamente recolhido nos últimos 5 (cinco) anos.