Em 01/11/2023, foi publicado no Diário Oficial da União o Convênio ICMS nº 174/2023, editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”), que “dispõe sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade”, visando regulamentar a transferência de créditos de ICMS, em atenção à determinação do Supremo Tribunal Federal (“STF”), nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) nº 49, com início de produção de efeitos a partir de 01/01/2024.
Vale recordar que o julgamento de mérito da ADC nº 49 ocorreu em 19/04/2021, ocasião em que os Ministros do STF reafirmaram o entendimento jurisprudencial já dominante, inclusive representado pela Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), e assim declararam inconstitucionais dispositivos da Lei Complementar (“LC”) nº 87/96, que previam a incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
O principal argumento jurídico que sustentou referida decisão foi de que o “fato gerador” do tributo surge apenas nas “operações mercantis” de “circulação de mercadorias” caracterizadas pela sua feição “jurídica”, o que pressupõe a “transferência de titularidade” dos bens, não sendo, portanto, suficiente a mera “movimentação física” de tais bens entre estabelecimentos diferentes da mesma empresa.
Mais recentemente, em 19/04/2023, os Ministros do STF prolataram novo acórdão na referida ADC nº 49, dando parcial provimento aos Embargos de Declaração da Fazenda Pública para “modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024”, definindo ainda que, caso “exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.
Deste modo, pode-se dizer que, essencialmente, o Convênio ICMS nº 174/2023 objetivou disciplinar a transferência de créditos de ICMS em atenção à decisão do STF, com validade a partir de 01/01/2024, destacando-se principalmente o seguinte:
- Será obrigatória a transferência de crédito do ICMS, do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino, na remessa interestadual de mercadorias, entre estabelecimentos do mesmo titular (cláusula 1ª);
- O ICMS a ser transferido será lançado a “débito” na escrituração do estabelecimento remetente no Registro de Saída; e a “crédito” na escrituração do estabelecimento destinatário no Registro de Entradas (cláusula 2ª);
- A apropriação do crédito atenderá às regras previstas na legislação tributária do Estado de destino referentes ao aproveitamento de ICMS recebidas de estabelecimento pertencente a titular diverso do destinatário. (cláusula 2ª, §2º).
- A transferência do ICMS será procedida a cada remessa, mediante consignação do respectivo valor na Nota Fiscal eletrônica (“NF-e”) que a acobertar, no campo destinado ao destaque do imposto (cláusula 3ª);
- O valor de crédito de ICMS a ser transferido será calculado aplicando-se os percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, definidas em Resolução do Senado Federal (4%, 7% e 12%), sobre os seguintes valores dos bens e mercadorias (cláusula 4ª): (i) correspondente à entrada mais recente da mercadoria; (ii) custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; ou (iii) tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento;
- O Convênio afirma que a sistemática de creditamento de ICMS nele regulamentada não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem. Neste contexto, nos casos em que o Estado do remente conceder um benefício fiscal do imposto, deverá ser efetuado o lançamento de um débito equiparado ao estorno de crédito previsto na legislação tributária instituidora do benefício fiscal. (cláusula 6ª).
Dito isso, entende-se que o Convênio ICMS nº 174/2023 não está alinhado com a determinação do STF na ADC nº 49, uma vez que aquele julgamento não conferiu condições e/ou limites à transferência de créditos de ICMS nas operações de transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, tendo inclusive tratado tal transferência como uma faculdade e não como uma obrigação.
Neste sentido, nota-se que o Convênio estabeleceu a obrigatoriedade na transferência de crédito de ICMS, cujo imposto será lançado como “débito” na escrituração do estabelecimento remetente e como “crédito” na escrituração do estabelecimento destinatário, porém não esclareceu a forma pelas quais os Estados deverão regulamentar – internamente – a sistemática nele instituída, de modo que o lançamento a “débito” do crédito não implique na tributação do ICMS nas operações de transferência de mercadorias (o que iria na contramão do julgado na ADC 49).
Ainda, nota-se que o Convênio contraria o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, que trata da competência por Lei Complementar para estabelecer “normas gerais em matéria de legislação tributária”, inclusive e especialmente sobre “crédito tributário”.
Ademais, outras dúvidas também surgiram sobre a redação do Convênio, a saber: (i) o tratamento a ser conferido nos casos de ICMS-ST (substituição tributária) e ativos imobilizados; e (ii) a respeito do Projeto de Lei Complementar nº 116/2023, já aprovado no Senado Federal (maio/2023) e em trâmite na Câmara dos Deputados, que, objetivando alterar dispositivos da LC nº 87/96, prevê que não incide ICMS “na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade”, porém disciplina de forma diversa sobre a transferência de créditos de ICMS, como “opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto”.
Leite, Tosto e Barros Advogados
Sérgio Grama Lima
Leonardo Rubim Chaib