Por Carolina Duarte Martins
Este artigo faz parte do e-book “Reflexões sobre a Reforma do Código Civil”. Clique para acessar o conteúdo completo.
É fato que a redação dada ao artigo 1.134 quando da promulgação do Código Civil em 2002 gerou alguma controvérsia acerca da possibilidade de sociedades estrangeiras serem sócias em sociedades empresárias de responsabilidade limitada em função da parte final do caput[1], a qual encontra-se superada há muito tempo pelo entendimento pacífico de que uma sociedade estrangeira pode ser sócia ou acionista de uma sociedade brasileira, independentemente de sua natureza jurídica sem necessidade de autorização do Poder Executivo, salvo nos casos previstos em lei.
Não por outra razão que o anteprojeto propõe excluir esta parte final do caput do Artigo 1.134, mantendo apenas a autorização para as empresas que queiram funcionar no país:
“Artigo 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do poder executivo, funcionar no país.”
Ocorre que a alteração proposta ao §2º do Artigo 1.134, implica em concluir que toda sociedade estrangeira que venha a participar como sócia ou acionista de sociedade brasileira passará a estar obrigada a obter autorização do Poder Executivo, senão vejamos o teor do §2º proposto:
“§2º Autorizada, a sociedade estrangeira pode ser sócia ou acionista de sociedade brasileira, bem como instalar estabelecimentos subordinados no país.” (grifos nossos)
Vê-se, pois, uma inequívoca expansão da determinação do Poder Executivo nesta proposição, que a toda sorte terá o condão de dificultar o investimento estrangeiro no país, trazendo um procedimento burocratizado, limitador da livre iniciativa e do fomento econômico da sociedade brasileira, em claro retrocesso ao que se tem adotado até o momento.
Na esteira do acima exposto, o teor dos propostos §§ 6º e 7º de dito anteprojeto somam-se ao §2º acima referido, em requerimentos que passam a se somar, aumentando as dificuldades e os custos criados à sociedade estrangeira para investir no país.
Conforme o §6, “No caso de a sociedade estrangeira atuar com atividade regulada por órgão de classe ou subordinada a controle do sistema financeiro nacional, após a inscrição no respectivo órgão de registro, deverá obter autorização de funcionamento, na forma dos arts. 1.123 a 1.125 deste Código, e conforme disposto em regulamentação da autoridade competente.”
São dois os obstáculos trazidos pelo dispositivo proposto, conforme se verifica, e que hoje inexistem: a) ampliação das atividades que passam a exigir autorização de funcionamento, hoje inexistentes para as sociedades de profissionais liberais e para atividade subordinada ao controle do sistema financeiro; e b) inversão da ordem do procedimento hoje aplicável, posto que atualmente, todas as atividades que demandam autorização do Poder Executivo passam primeiro pelo respectivo procedimento de autorização perante o Ministério da Justiça e somente depois de autorizadas é que são registradas no órgão de registro competente.
No que se refere ao item (a) acima, é importante observar que a pessoa natural estrangeira (profissional liberal) já não pode exercer atividade regulada por órgão de classe sem antes inscrever-se neste e submeter-se a todos os requisitos exigidos para habilitação visando o exercício de dita atividade profissional. Tal, no entanto, não deve se confundir com o investimento de sociedades estrangeiras em tais atividades ou em sociedades prestadoras de serviços, especialmente.
No caso das atividades subordinadas a controle pelo sistema financeiro, observem-se como as inúmeras fintechs, startups e demais novas empresas em que existe o fomento hoje para o desenvolvimento de novas tecnologias, cujas atividades ver-se-ão afetadas pela limitação na participação de sociedades estrangeiras e, portanto, com limitação da capacidade de financiamento do desenvolvimento tecnológico no país.
Por fim, no que se refere ao §7º do Artigo 1.134, temos a indevida (e equivocada a nosso ver) exigência de que “Qualquer que seja a atividade desenvolvida pela empresa estrangeira esta terá sede em território nacional e representação por pessoa natural domiciliada no Brasil, não bastando sua atuação por meios de comunicação social analógica ou digital, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço”.
Veja-se, primeiro o ponto de equívoco: se a sociedade é estrangeira não poderá ela ter sede no país. Poderia quando muito ter uma filial ou um estabelecimento em território nacional, exigência que já existe hoje para a sociedade estrangeira que funciona diretamente no país, mas não para o investidor, aquele que vem para figurar como sócio em sociedade brasileira. Induvidosamente, no que se refere ao investidor que atua por intermédio de sociedades nacionais, a exigência vem a somar-se às demais acima expostas na criação de obstáculos e aumento da burocratização ao investimento estrangeiro no país.
Já a parte final deste §7º parece estar endereçada às plataformas digitais de comunicação social, como um meio capaz de coibir sua livre atuação no país, tendencia vista e declarada por inúmeras autoridades recentemente.
De modo geral o que se verifica na proposição de alteração do Artigo 1.134 é o retrocesso da regra que hoje é praticada no país e sua aprovação seguramente constituirá um obstáculo ao investimento estrangeiro e ao desenvolvimento de novas tecnologias.
NOTAS
[1] Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.